Durante quase 3.000 anos de história, os egípcios foram o povo mais meticuloso nos preparativos para a vida após a morte. Além do corpo maravilhosamente preservado pelo processo de mumificação, eles caprichavam na preparação espiritual, levando consigo, nas paredes ou no interior dos sarcófagos, textos como o Livro dos Mortos, que ensinavam o defunto a argumentar sobre seus merecimentos diante dos deuses. Mas é claro que não dava para abrir mão do conforto no além: por isso, os egípcios também lotavam suas tumbas com pequenas estátuas, que iriam fazer as vezes de serviçais no mundo dos mortos.
As últimas décadas de pesquisa arqueológica e antropológica estão trazendo uma enormidade de dados sobre o complicado processo ligado à passagem de um egípcio da alta sociedade desta para uma melhor. O egiptólogo Bob Brier, da Universidade de Long Island (Estados Unidos), conhece literalmente a fundo as práticas egípcias, já que avaliou pessoalmente a "saúde" de uma série de múmias e também mumificou pessoalmente um cadáver moderno para entender melhor como os egípcios embalsamavam seus mortos. Segundo Brier, dois elementos são cruciais para a prática da mumificação: o ambiente e a mitologia do Egito antigo.
Ele lembra que, nos milênios anteriores à era do faraó, os habitantes do vale do Nilo costumavam simplesmente enterrar seus mortos numa cova rasa nas areias do deserto a oeste do grande rio. Com isso, o calor e o clima extremamente seco davam conta de, sozinhos, preservar a pele, a carne e os cabelos por longos períodos. Mais tarde, quando eles começaram a construir túmulos elaborados para os defuntos, essa capacidade de preservação diminuiu. Isso porque a umidade, que traz bactérias comedoras de cadáveres, ajudava na decomposição dos corpos. A mumificação foi desenvolvida, em parte, para ressecar totalmente os cadáveres.
Por outro lado, a mitologia egípcia é dominada pela história do deus Osíris, que foi morto à traição por seu irmão Seth e desmembrado. Os pedaços do corpo do deus, porém, foram reunidos por sua esposa Ísis, o que permitiu que ele voltasse à vida. Osíris virou o protótipo de todos os mortos, e principalmente dos faraós mortos. Como os egípcios acreditavam na ressurreição, na qual o corpo dos falecidos voltaria a funcionar, era importante que o cadáver estivesse o mais intacto possível, justamente para garantir sua funcionalidade no além.
A múmia do faraó Ramsés II (1279-1213 a.C.) (Foto: Reprodução)
Faltou o cérebro
Ainda bem que os egípcios não tinham idéia da importância do cérebro para o organismo, porque trata-se do único órgão para o qual eles não desenvolveram um procedimento de preservação. Os egípcios acreditavam que a sede do pensamento era o coração, e não o encéfalo. Aliás, o cérebro era deliberadamente destruído, por ser extremamente aquoso. Os embalsamadores inseriam um pedaço de arame no nariz do morto, quebravam o osso que separa a cavidade nasal da cavidade craniana e giravam o arame rapidamente, como um liquidificador, até que o cérebro virasse uma papa e pudesse escorrer para fora do nariz do defunto quando ele fosse virado de ponta-cabeça.
Depois disso, era feita uma incisão no abdômen, retirando dela o estômago, o fígado, os intestinos e os rins. Só o coração era deixado no interior do corpo. Os demais órgãos iam para minissarcófagos especiais, os chamados vasos canópicos, e colocados ao lado do caixão do morto. Para retirar ainda mais a umidade do corpo do morto, ele era coberto com uma mistura de carbonato de sódio, bicarbonato de sódio e sal de cozinha durante 35 dias. Depois era finalmente enrolado nas bandagens características das múmias que conhecemos.
Vasos como esses abrigavam os órgãos (Foto: Reprodução)
Cerca de 70 dias após a morte, o morto era finalmente levado à sua tumba. Como a múmia estava com a boca coberta com bandagens, era feito um ritual para "abrir sua boca", de maneira que ele conseguisse falar e comer no outro mundo. A cerimônia terminava com um sacerdote dizendo as palavras: "Tu és jovem de novo, tu vives de novo, tu és jovem de novo, tu vives de novo, para sempre".
Lacaios e bagagens
Quanto mais rico o defunto, maior a quantidade de bagagem que ele carregava. Todo tipo de alimento e objeto de uso pessoal -- arcos e flechas, carruagens, barcos, roupas, jóias -- eram colocados no túmulo. As paredes também eram pintados com cenas da vida do morto. Os egípcios acreditavam que, se uma imagem aparecia num túmulo, o morto seria capaz de vivê-la no além.
O mais curioso para nós, no entanto, eram os ushabtis, pequenas estátuas em forma de múmia que deveriam servir o morto na outra vida. Só o faraó Tutancâmon, que morreu por volta do ano 1300 a.C., foi enterrado com 413 ushabtis, cuja principal função era cultivar a terra para o rei no além. Desses, 365 ushabtis eram trabalhadores braçais (um para cada dia do ano), 36 deles eram supervisores (um para cada grupo de dez operários), sem contar um grupo de 12 supervisores dos supervisores (um para cada mês do ano). Nem na morte os faraós deixavam a burocracia de lado, pelo visto.
As últimas décadas de pesquisa arqueológica e antropológica estão trazendo uma enormidade de dados sobre o complicado processo ligado à passagem de um egípcio da alta sociedade desta para uma melhor. O egiptólogo Bob Brier, da Universidade de Long Island (Estados Unidos), conhece literalmente a fundo as práticas egípcias, já que avaliou pessoalmente a "saúde" de uma série de múmias e também mumificou pessoalmente um cadáver moderno para entender melhor como os egípcios embalsamavam seus mortos. Segundo Brier, dois elementos são cruciais para a prática da mumificação: o ambiente e a mitologia do Egito antigo.
Ele lembra que, nos milênios anteriores à era do faraó, os habitantes do vale do Nilo costumavam simplesmente enterrar seus mortos numa cova rasa nas areias do deserto a oeste do grande rio. Com isso, o calor e o clima extremamente seco davam conta de, sozinhos, preservar a pele, a carne e os cabelos por longos períodos. Mais tarde, quando eles começaram a construir túmulos elaborados para os defuntos, essa capacidade de preservação diminuiu. Isso porque a umidade, que traz bactérias comedoras de cadáveres, ajudava na decomposição dos corpos. A mumificação foi desenvolvida, em parte, para ressecar totalmente os cadáveres.
Por outro lado, a mitologia egípcia é dominada pela história do deus Osíris, que foi morto à traição por seu irmão Seth e desmembrado. Os pedaços do corpo do deus, porém, foram reunidos por sua esposa Ísis, o que permitiu que ele voltasse à vida. Osíris virou o protótipo de todos os mortos, e principalmente dos faraós mortos. Como os egípcios acreditavam na ressurreição, na qual o corpo dos falecidos voltaria a funcionar, era importante que o cadáver estivesse o mais intacto possível, justamente para garantir sua funcionalidade no além.
A múmia do faraó Ramsés II (1279-1213 a.C.) (Foto: Reprodução)
Faltou o cérebro
Ainda bem que os egípcios não tinham idéia da importância do cérebro para o organismo, porque trata-se do único órgão para o qual eles não desenvolveram um procedimento de preservação. Os egípcios acreditavam que a sede do pensamento era o coração, e não o encéfalo. Aliás, o cérebro era deliberadamente destruído, por ser extremamente aquoso. Os embalsamadores inseriam um pedaço de arame no nariz do morto, quebravam o osso que separa a cavidade nasal da cavidade craniana e giravam o arame rapidamente, como um liquidificador, até que o cérebro virasse uma papa e pudesse escorrer para fora do nariz do defunto quando ele fosse virado de ponta-cabeça.
Depois disso, era feita uma incisão no abdômen, retirando dela o estômago, o fígado, os intestinos e os rins. Só o coração era deixado no interior do corpo. Os demais órgãos iam para minissarcófagos especiais, os chamados vasos canópicos, e colocados ao lado do caixão do morto. Para retirar ainda mais a umidade do corpo do morto, ele era coberto com uma mistura de carbonato de sódio, bicarbonato de sódio e sal de cozinha durante 35 dias. Depois era finalmente enrolado nas bandagens características das múmias que conhecemos.
Vasos como esses abrigavam os órgãos (Foto: Reprodução)
Cerca de 70 dias após a morte, o morto era finalmente levado à sua tumba. Como a múmia estava com a boca coberta com bandagens, era feito um ritual para "abrir sua boca", de maneira que ele conseguisse falar e comer no outro mundo. A cerimônia terminava com um sacerdote dizendo as palavras: "Tu és jovem de novo, tu vives de novo, tu és jovem de novo, tu vives de novo, para sempre".
Lacaios e bagagens
Quanto mais rico o defunto, maior a quantidade de bagagem que ele carregava. Todo tipo de alimento e objeto de uso pessoal -- arcos e flechas, carruagens, barcos, roupas, jóias -- eram colocados no túmulo. As paredes também eram pintados com cenas da vida do morto. Os egípcios acreditavam que, se uma imagem aparecia num túmulo, o morto seria capaz de vivê-la no além.
O mais curioso para nós, no entanto, eram os ushabtis, pequenas estátuas em forma de múmia que deveriam servir o morto na outra vida. Só o faraó Tutancâmon, que morreu por volta do ano 1300 a.C., foi enterrado com 413 ushabtis, cuja principal função era cultivar a terra para o rei no além. Desses, 365 ushabtis eram trabalhadores braçais (um para cada dia do ano), 36 deles eram supervisores (um para cada grupo de dez operários), sem contar um grupo de 12 supervisores dos supervisores (um para cada mês do ano). Nem na morte os faraós deixavam a burocracia de lado, pelo visto.